sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Arquitetura do “Eu”

Marcos Spagnuolo Souza

Esse artigo é o resumo do livro escrito por Jung denominado “Aion estudos sobre o simbolismo do Si-Mesmo”.

1 Si-Mesmo

O si-mesmo, em sua totalidade, se situa além dos limites pessoais representando uma totalidade de natureza divina ou celeste. O si-mesmo se acha ligado à imagem e identificado com Deus, não podendo ser captado em sua totalidade devido sua infinitude. O Si-Mesmo é a autoridade que dissipa as dúvidas criando um fato consumado e podemos designar esta instância como vontade de Deus ou como sendo operação das forças da natureza. Comenta Jung (1986:24)

O Si-Mesmo concebido como sendo vontade de Deus, o que implica admitir que as forças naturais são forças divinas, tem a vantagem de a decisão se apresentar, em tal caso, como um ato de obediência como sendo algo planejado por Deus. (...) O homem nunca aparece como um mero observador, mas toma parte nele, mais ou menos voluntariamente, tentando colocar o peso de seu sentimento de liberdade moral no prato da balança da decisão. Entretanto, aqui não se sabe em que redundará a motivação causal, por vezes inconsciente, de sua decisão, que ele considera livre. Tanto poderá ser um ato de Deus quanto uma catástrofe natural.

O si-mesmo é uma estrutura que não ocupa o lugar do “eu”, mas é uma estrutura que inclui o “eu” e mais abrangente que o “eu”. O si-mesmo representa sempre uma situação em que o “eu” se acha incluido. O si-mesmo não pode ser captado em sua totalidade pelo “eu” e o “eu”, podemos dizer, está subordinado ao si-mesmo. O si-mesmo não fica circunscrito ao âmbito da consciência do “eu”, pois seus limites é impossível de ser fixado. Salienta Jung: “O Si-mesmo não é uma grandeza que venha a ocupar o lugar daquela até o momento designada pelo termo “eu”, mas a uma grandeza mais abrangente, que inclua o “eu” (1986:1)

Para os alquimistas o si-mesmo, não está na consciência do “eu”, mas fora dela, e precisamente já em nós; não, porém, “in mente nostra”, e sim naquilo que somos e ainda não conhecemos, isto é, naquele “quid” que precisamos conhecer. Hoje em dia damos-lhe o nome de inconsciente impessoal, distinguindo do inconsciente pessoal e do inconsciente coletivo.

Afirma Joung (1986: 4):

Si-Mesmo ou Personalidade Global não pode ser captada em sua totalidade, denominada de si-mesmo. Por definição o “eu” está subordinado ao si-mesmo. È inclusive notório que o “eu” não é somente incapaz de qualquer coisa contra o si-mesmo, como também é assimilado e modificado, eventualmente, em grande proporção, pelas parcelas inconscientes da personalidade que se acham em vias de desenvolvimento.

O Si-Mesmo não é captado em sua totalidade pelo “eu”, pois ocorreria uma catástrofe psíquica, pois, o “eu” assimila apenas alguns aspectos do Si-Mesmo. A busca do “eu” pelo Si-mesmo é em decorrência da imagem do Si-Mesmo que esta gravada no inconsciente da psique impulsionando o desejo pelo Si-Mesmo. Acrescenta Jung ( 1986: 22)

A imagem da totalidade permanece imersa na inconsciência. É por isto que ela participa, por um lado, da natureza arcaica do inconsciente, enquanto que por outro, na medida em que está contido no inconsciente se situa no continuum espaço-tempo característico deste último. Estas duas propriedades são numinosas e, por isso mesmo, absolutamente determinante para a consciência do eu, que é diferenciada, separada do inconsciente, encontrando-se as referidas propriedades em um espaço e tempo absolutos. Isto se dá por uma necessidade vital.

Destaca Jung (1986) que apesar do Si Mesmo não parecer mais do que uma noção abstrata, contudo é uma noção empírica, antecipada na psique por símbolos espontâneos ou autônomos. São estes os símbolos da quaternidade e dos mandalas, que afloram não somente nos sonhos do homem moderno, que o ignora como também aparece amplamente difundido nos monumentos históricos de muitos povos e épocas. Seu significado como símbolos da unidade e da totalidade é corroborado no plano da história e também no plano da psicologia empírica. “O que parece à primeira vista uma noção abstrata é, na realidade, algo de empírico, que revela espontaneamente sua existência apriorística. A totalidade constitui, portanto, um fator objetivo que se defronta com o sujeito, de modo autônomo.” (Jung, 1986: 29)

No plano da objetividade o Si-Mesmo é representado pelo filho do homem transfigurado, o Filho de Deus que não foi manchado pelo pecado. Cristo é a verdadeira imagem de Deus, a cuja semelhança foi criada nosso homem interior; invisível, incorporal e imortal. Cristo é a imagem perfeita de Deus. O mal é meramente a carência acidental de uma perfeição, ausência do Si-mesmo em nós, ocorrendo uma separação definitiva entre o reino celeste e o mundo de fogo da condenação. Cristo é para nós a analogia mais próxima do si-mesmo e de seu significado. Cristo, é a encarnação do Si-Mesmo.

Conforme Jung (1986) o Si-Mesmo nos sonhos modernos é representado pelo elefante, cavalo, touro, urso, do pássaro branco e preto, do peixe e da serpente. Também ocorre a tartaruga, o caracol, a aranha e o escaravelho. Símbolos vegetais são, principalmente, a flor e a árvore. Dentre os objetos inorgânicos que aparecem com relativa freqüência, devem-se mencionar ainda o monte e o lago. Nos casos em que há menosprezo pela sexualidade, o si-mesmo aparece simbolicamente em forma de falo.

O Si-Mesmo é representado também pela mandala, pelo ouro ou por recipientes herméticos. Jung explica (1986):

A mandala que simboliza o si-mesmo. O si-mesmo simbolizado pelo recepiente hermético, pois este foi escondido, divinamente, por obra da sabedoria do Senhor, da vista das nações, e os que não o conhecem, também ignoram o verdadeiro método. O Ancião diz que se deve procurar mais a visão do que o conhecimento da Sagrada Escritura. Maria, a profetisa, afirma: “Este é o recipiente de Hermes, que os estóicos esconderam (1986: 229) O ouro é outro símbolo do si-mesmo (1986: 252)

Todas as aspirações do “eu” pela perfeição, tomada no último sentido, é não apenas legítima, como também uma característica inata do homem, e uma das mais profundas raízes da civilização. Esta aspiração é, inclusive, tão forte, a ponto de transformar-se em paixão, que tudo submete a seu império. Aspira-se, naturalmente, a uma perfeição em qualquer direção em decorrência do Si-Mesmo que nos atrai. “O Si-Mesmo manifesta-se em nós através da prudência e da justiça, da moderação, da virtude, da sabedoria e da disciplina. O Si-Mesmo em virtude de suas qualidades se manifesta por fim como os “eidos” (idéias) de todas as representações supremas da totalidade e da unidade” (1986: 32).

2 Eu

O “eu” não é um fator simples, elementar, mas complexo; é um fator que, como tal, é impossível descrever com exatidão. Sabemos pela experiência que ele é uma individualidade única constituído por duas bases aparentemente diversas: uma base somática e uma base psíquica. O homem só possui uma visão limitada da fisiologia da sua parte somática e, só conhece uma diminuta parte de sua psique.

O “eu” quando separado de suas raízes (si-mesmo), falta-lhe a ligação com as bases da existência, e neste caso ele secará inevitavelmente. É ai, então, que a Anamnesis é de vital importância. O conto de fadas e o mito expressam processos inconscientes e sua narração produz sempre um revivescimento e uma recordação de seu conteúdo, operando consequentemente uma nova ligação entre a consciência e o inconsciente.

O aspecto somático possui dois viéses, o consciente e o inconsciente, o mesmo ocorrendo com a psíque que é consciente e ao mesmo tempo inconsciente, assim sendo a base somática e psíquica do “eu” é constituída por fatores conscientes e inconscientes.

2.1 Somático

Enfatiza Jung (1986:2) que conhecemos a base somática, partindo da totalidade das sensações de natureza endossomática, as quais, por sua vez, são de caracteres psíquicos e ligados ao eu e, consequentemente, também conscientes. Estas sensações decorrem de estímulos endossomáticos que só em parte transpõem o limiar da consciência. Parte considerável destes estímulos se processa de modo inconsciente, isto é, subliminar. Não há dúvida de que parte considerável dos estímulos endossomáticos é totalmente incapaz de se tornar consciente.

2.2 Psíquico

Base psíquica do “eu”: constituída por fatores conscientes e inconscientes. Estes últimos se dividem em três grupos: 1) o dos conteúdos temporariamente subliminares, isto é, voluntariamente reproduzíveis; 2) o dos conteúdos que não podem ser produzidos voluntariamente (conteúdos que somente podem chegar a consciência a partir de muita fatiga, ou recorrendo até mesmo a meios artificiais) 3) conteúdos totalmente incapazes de se tornarem conscientes (Jung, 1986:2)

A verdadeira portadora e geradora do saber é a psique; e foi justamente esta o que mais se ignorou, durante muito tempo. Ela era considerada um sintoma de reações químicas, um epifenômeno de processos celulares, ocorridos no cérebro; e ela não existiu mesmo, realmente, por algum tempo. (...) Uma das aquisições mais modernas é a consciência de que se deve levar em conta a realidade objetiva do fator psíquico. (...) Para os gnósticos, e é nisto que consistia seu verdadeiro segredo, assim como para os alquimistas, a psique existe como fonte de conhecimento (Jung, 1986:164)

2.3 Consciência Psíquica

Salienta Jung (1986) que é impossível dizer até onde vão os limites do campo da consciência, porque este pode estender-se de modo indeterminado. Empiricamente, porém, ele alcança sempre o seu limite, todas as vezes que toca o âmbito do desconhecido. Este desconhecido é constituído por tudo quanto ignoramos por tudo aquilo que não possui qualquer relação com o eu enquanto centro da consciência. “A consciência é incapaz de abarcar a totalidade, mas é muito provável que a totalidade esteja presente, inconscientemente, no eu. Isto corresponderia a um estado da mais alta perfeição ou integralidade” (Jung, 1986:102).

2.4 Inconsciente Psíquico

Evidencia Jung (1986:5) que o inconsciente é dividido em dois campos: de um lado, o de uma psique extraconsciente cujos conteúdos classificamos de pessoais e, do outro, o de uma psique cujos conteúdos qualificamos de impessoais, ou melhor, coletivos. O primeiro grupo compreende os conteúdos que formam as partes constitutivas da personalidade individual e, por isso mesmo, poderiam ser também de natureza consciente. O segundo grupo representa uma condição ou base da psique em geral, universalmente (coletivamente) presente e sempre idêntica a si mesma.

2.4.1 Inconsciente Psíquico Pessoal

Os conteúdos do inconsciente pessoal são aquisições da existência individual do “eu” que denominamos de “sombra” sendo a figura mais facilmente acessível à experiência, pois é possível ter um conhecimento bastante aprofundado de sua natureza. A “sombra” é o elemento inconsciente que mais freqüente e intensamente influencia ou perturba o “eu”. “Uma pesquisa mais acurada dos traços obscuros do caráter, isto é, das inferioridades do indivíduo que constituem a sombra, mostra-nos que esses traços possuem uma natureza emocional, certa autonomia e, consequentemente, são de tipos obsessivos, ou melhor, possessivos (Jung, 1986: 6)

A sombra é aquela personalidade oculta, recalcada, frequentemente inferior e carregada de culpas, cujas ramificações se estendem até o reino de nossos ancestrais animalescos englobando, deste modo, todo o aspecto histórico do inconsciente. Com a análise da sombra e dos processos nela contidos é possível fazer sair da casca. A sombra é a inferioridade do “eu” como uma “privatio boni” (ausência de bem). Um mundo tenebroso que oculta no seu interior fatores autônomos e influentes, em si indistinguíveis que foram repelidos pelo psiquismo consciente (Jung, 1986:254).

A sombra coloca obstinada resistência ao controle social e de modo geral, estas resistências ligam-se as projeções que não podem ser reconhecidas como tais e cujo conhecimento implica um esforço que ultrapassa os limites habituais do indivíduo. Os traços característicos da sombra podem ser reconhecidos através dos atos falhos ou sintomas, mas há pouca esperança de que o sujeito delas tome consciência (Jung, 1986:67).

A sombra representa o inconsciente pessoal, podendo por isso atingir a consciência sem dificuldades no que se refere a seus conteúdos, além de poder ser percebida e visualizada. A sombra se diferencia do “animus” e da “anima” que se acham bastante afastados da consciência, sendo este o motivo pelo qual dificilmente, ou nunca, eles podem ser percebidos em circunstâncias normais, no entanto, não é difícil, com certo grau de autocrítica, perceber a própria sombra, pois ela é de natureza pessoal (Jung: 1986:8).

Na realidade a sombra elabora um casulo que envolve o “eu” que somente com muita dificuldade o “eu” consegue desfazer, pois, a sombra é o lado obscuro da própria personalidade, muitas vezes inacessível ao “eu”.

2.4.2 Inconsciente Psíquico Coletivo

Os conteúdos do inconsciente coletivo são arquétipos que existem sempre e a priori. Sabemos que não é o sujeito que projeta, mas o inconsciente, não se cria a projeção, sendo que ela já existe de antemão. A conseqüência da projeção é um isolamento do sujeito em relação ao mundo exterior, pois em vez de uma relação real o que existe é uma relação ilusória. As projeções transformam o mundo externo em uma concepção irreal. Por isso, no fundo, as projeções levam a um estado de auto-erotismo ou autismo, em que se sonha com um mundo cuja realidade é inatingível (Jung, 1986:7). Quanto mais projeções se interpõem entre o sujeito e o mundo exterior, tanto mais difícil se torna para o “eu” perceber suas ilusões (Jung, 1986:8).

O inconsciente coletivo é o fator que trama as ilusões que encobrem o mundo e o próprio sujeito se expressando nas figuras da anima e do animus. Eles personificam os seus conteúdos, os quais podem ser integrados à consciência. Neste sentido, constituem funções que transmitem conteúdos do inconsciente para a consciência (Jung, 1986:18).

É de particular importância que não se pense no inconsciente coletivo como em imagens fantásticas que passam rápidas e fugidias, mas como fatores permanentes e autônomos, coisas que o são na realidade (Jung, 1986:18)

2.4.2.1 Anima

Lembra Jung (1986) que Anima é a mãe (astral) que ensina cuidadosamente a praticar as virtudes da fidelidade, da dedicação e da lealdade, a fim de preservar a pessoa do dilaceramento moral que está ligado à aventura da vida. Anima é caracterizada pela vaidade e sensibilidade e a pessoa aprende muito bem a lição, e permanece fiel à sua mãe astral e de muitas vezes de forma preocupante para ela quando se revela, por exemplo, seu caráter homossexual, em homenagem a ela, mas, ao mesmo tempo, também para sua satisfação inconsciente e mítica.

Anima é o arquétipo antiqüíssimo e sacrossanto do conúbio entre mãe e filho, é a mulher coroada de estrelas que o dragão persegue e as piedosas incertezas que envolvem as núpcias do Cordeiro. Anima é, simultaneamente, velha e jovem, Deméter e Perséfone e o filho é, ao mesmo tempo, esposo e criança adormecida de peito num estágio de indescritível plenitude, com a qual nem de longe se podem comparar as imperfeições da vida real, os esforços e as fadigas empregados no processo de adaptação, bem como o sofrimento causado pelas inúmeras decepções com a realidade (Jung, 1986:10)

A projeção Anima só pode ser desfeita para a pessoa quando o filho percebe que há uma imago da mãe no âmbito de sua psique, e não só uma imago da mãe, como também da filha, da irmã e da amada, da deusa celeste e da Baubo ctônica universalmente presente como imagem sem idade, e que toda mãe e toda amada é, ao mesmo tempo, a portadora e geradora desses reflexos profundamente inerentes à natureza do homem (Jung, 1986: 11)

O maior perigo da Anima é que ela exige o máximo do homem e quando há alguém capaz disto, ela efetivamente o recebe. Esta imagem é a “Senhora Alma”. Onde quer que se manifeste a Anima (nos sonhos, nas visões e fantasias) ela aparece personificada, mostrando deste modo que o fator subjacente a ela possui todas as qualidades características de um ser feminino. Não se trata de uma invenção da consciência; é uma produção espontânea do inconsciente (Jung, 1986:11).

2.4.2.2 Animus

Animus é o pai astral e possui tendência a argumentar. É nas discussões obstinadas em que mais se faz notar a sua presença. O que importa é o poder da verdade ou da justiça ou qualquer outra coisa abstrata sendo a soma das opiniões tradicionais desempenhando um grande papel na argumentação. Em inúmeros casos o animus se manifesta pela prática da crueldade quando a verdade e a justiça são rompidas (Jung:1986:13)

Animus sob a forma do pai expressa não somente opiniões tradicionais como também aquilo que se chama “espírito” e de certas concepções filosóficas e religiosas universais, ou seja, aquela atitude que resulta de tais convicções (Jung, 1986:14)

As projeções do animus são poderosas e enchem imediatamente a personalidade do sentimento inabalável de que ela está de posse da justiça e da verdade e em segundo lugar porque sua origem parece fundada consideravelmente em objetos e situações objetivas (Jung, 1986: 15). Jung (1986) pergunta: és capaz de conhecer teu pai? Sim. És capaz de conhecer este encoberto? Não. O encoberto é teu pai.

2.4.2.3 Anima e Animus

Não é difícil perceber o anima e animus, pois, temos a vantagem de certa preparação mediante a educação que sempre procurou convencer os homens de que eles não são feitos de ouro cem por cento puros, porr isso, qualquer um entende facilmente e sem demora o que os termos personalidade inferior e outros semelhantes significam, no entanto, podemos também dizer que o animus e a anima constituem parte de um domínio especial da natureza, que defende sua inviolabilidade com o máximo de obstinação, por isso é muito difícil conscientizar-se das projeções do par animus-anima, sendo necessário vencer muitas resistências para desvelar o casal astral (Jung, 1986: 15).

Nos seres humanos o animus lança mão da espada de seu poder e a anima asperge o veneno de suas ilusões e seduções (Jung, 1986:13). Da mesma forma que a anima se transforma em um Eros da consciência assim também o animus se transforma em um Logos; da mesma forma que a anima imprime uma relação e uma polaridade na consciência do homem, assim também o animus confere um caráter meditativo, uma capacidade de reflexão e conhecimento à consciência feminina (Jung, 1986:14).

Ressalta Jung (1986) que é muito difícil combinar intelecto e sentimento, pois os dois se repelem. Quem se identificar com um ponto de vista intelectual, poderá eventualmente confrontar-se com o sentimento sob a forma da anima, numa situação de hostilidade; inversamente, um animus intelectual brutalizará o ponto de vista do sentimento. No entanto, quem quiser realizar esta difícil tarefa, não só intelectualmente, mas também como valor de sentimento, deverá defrontar-se com o animus ou com a anima, a fim de alcançar uma união superior, uma unificação dos opostos. Este é um pré-requisito indispensável para se chegar à totalidade (Jung, 1986:29).

Eles são, no verdadeiro sentido da palavra, o pai e a mãe de todas as grandes complicações do destino e, como tais, são conhecidos no mundo inteiro desde épocas imemoriais: trata-se de par de deuses, um dos quais, por causa de sua natureza de Logos é caracterizado pelo Pneuma e pelo nous, como o Hermes de múltiplas facetas, enquanto a segunda é representada sob os traços de Afrodite, Helena, Perséfone e Hécate, por causa de sua natureza de Eros. Eles existem quer a consciência lhes reconheça o valor ou não, pois o seu poder aumenta de modo proporcional ao grau de inconsciência do “eu”. Quem não os percebe, fica ao seu sabor, como essas epidemias de tifo que se alastram quando não se conhece a sua fonte infecciosa. O que podemos descobrir inicialmente, a partir deles, é tão pouco claro que dificilmente alcança os limites da visibilidade. Só quando lançamos um jato de luz nas profundezas obscuras e exploramos psicologicamente os caminhos estranhamente submersos do destino humano é que podemos perceber, pouco a pouco, como é grande a influência desses dois complementos da consciência (Jung, 1986:19).

As figuras astrais de Anima e Animus constituem as bases arquetípicas das divindades masculinas e femininas, em todas as épocas e lugares, e, por este motivo, exigem uma atenção particular, sobretudo por parte dos psicólogos e, depois, de qualquer leigo dado à reflexão. Enquanto “númens”, o animus e a anima produzem ora o bem, ora o mal (Jung, 1986:256).

Nem todos os conteúdos da anima e do animus estão projetados. Muitos deles afloram nos sonhos e muitos outros podem alcançar a consciência mediante a chamada imaginação ativa. A Imaginação ativa são certas idéias, sentimentos e afetos fantásticos que ninguém antes de vivenciá-los considerava possíveis, mas estão vivos dentro de nós. Quem nunca teve uma experiência desta natureza consigo mesmo acha naturalmente que tal possibilidade é absolutamente fantástica, pois uma pessoa normal sabe muito bem o que pensa (Jung, 1986:17).

O politeísmo corresponde ao estágio animus-anima, ao passo que o monoteísmo corresponde ao Si-Mesmo (Jung, 1986:256).

Animus e anima existem a priori e partindo deste fato, é possível explicar a existência indiscutida e indiscutível, muitas vezes totalmente irracional, de certos caprichos e opiniões. A notória rigidez destas opiniões se explica, no fundo, pelo fato de que uma forte ação sugestiva origina do arquétipo fascinando o “eu” e o mantendo hipnoticamente prisioneiro. Muitas vezes o “eu”, nessas circunstâncias, tem uma ligeira sensação de haver sofrido uma derrota moral e se comporta de maneira ainda mais renitente, orgulhosa e obstinada em suas posições, aumentando seu sentimento de inferioridade, num círculo vicioso. Com isto ele priva a relação humana de uma base sólida, pois não só a megalomania como também o sentimento de inferioridade impossibilitam qualquer reconhecimento mútuo sem o qual não há relacionamento algum (Jung, 1986:15).

O homem é compensado pelo feminino, assim também a mulher o é pelo masculino, assim como a mãe parece ser o primeiro receptáculo do fator determinante de projeções relativamente ao filho, assim também o é o pai em relação a filha. A mulher é compensada por uma natureza masculina, e por isso o seu inconsciente tem, por assim dizer, um sinal masculino. O fator determinante de projeções presentes na mulher é o animus e no homem a projeção determinante é a anima. No homem a função anima, via de regra aparece menos desenvolvido do que o Logos e na mulher a função animus aparece menos desenvolvido que o Eros, o Eros é expressão de sua natureza real, enquanto que o Logos muitas vezes constitui um incidente deplorável (Jung, 1986:12).

3 Projeção

A sombra, o animus e a anima atuam através de projeções e o fator formador de projeção é de uma realidade impossível de ser negada.

Quem, entretanto nega este fator, identifica-se com ele, e isto não é apenas inquietante, mas simplesmente perigoso para o bem-estar do indivíduo. Não se tem diretamente consciência deste estado de projeção, pelo contrário, sua existência somente pode ser detectada, na melhor das hipóteses, a partir de sintomas indiretos (Jung, 1986: 22).

Jung realça (1986) que a projeção da sombra, animus e anima aumentam quanto maior for o nosso ponto cego. Quanto maior for a nossa inconsciência a esse respeito mais nos identificamos com estas figuras astrais.

Psicologicamente consideramos que os impulsos da sombra, animus e anima são certas forças naturais que se manifestam em nós, sob a forma de impulsos ou, como sendo a vontade de Deus. Com isso nos pomos em consonância com as figuras astrais que influenciam a vida psíquica, assim passamos a funcionar como tem funcionado o ser humano em todos os lugares e em todas as épocas. A existência dos habitus coletivos guiados pelas figuras astrais nos mostra hipoteticamente a capacidade de sobrevivência no ambiente que estamos inseridos e enquanto estivermos em consonância com eles, existe para nós uma possibilidade racional de sobreviver, pois, não levamos em consideração outras possibilidades (Jung, 1986: 25).

Quando reprimimos as figuras astrais elas voltam a se manifestarem em outro lugar e sob uma forma modificada, mas desta vez carregado de um ressentimento que transforma o impulso natural, em si inofensivo, em nosso inimigo. Podemos dizer que estas figuras são os grandes demônios. O vocábulo grego demônio exprime um poder determinante que vem ao encontro do homem, de fora. (Jung, 1986: 40).

4 A Libertação

Quem não sabe libertar a verdade “veritas” presente no interior da alma das cadeias em que está presa, também não conseguirá a sua libertação. Somente é capaz de fabricar o ouro quem possui a doutrina correta e a doutrina correta é a sua própria transformação, somente se transforma se transformando. Com base nestas considerações o autoconhecimento é de fundamental importância. A esperança para se livrar dos demônios astrais está depositada no próprio “eu” (Jung, 1986: 153).

O conhecimento do mundo reside dentro do próprio peito e o adepto deve extrair o conhecimento a respeito do mundo no seu próprio interior, pois o “eu” deve se conhecer em primeiro lugar. Quando o “eu” se conhece, conhece também o Si-Mesmo. O Si-Mesmo é o arcanum, a pedra preciosa que está no interior do “eu” quie ele ainda ignora, mas que tomará consciência na sua busca para se livrar dos demônios astrais. Quem procura seriamente reconhecer-se o seu próprio “eu” torna-se suspeito de egoismo e de extravagância (Jung, 1986: 154).

O Mestre somente pode transmitir ao discipula a teoria, ou seja, a teoria representa o único bem verdadeiro que o adepto pode tomar como ponto de partida. A primeira coisa que ele deve encontrar é a prima matéria ou seja, o segredo dos sábios, a teoria transmissível pelo Mestre. A teoria ou doutrina expressa pelo Mestre é a experiência interior do próprio Mestre que ele transmite ao buscador da verdade (Jung, 1986:133).

5 Deus

A imagem divina do homem e o Si-Mesmo foram danificadas pelo pecado, mas, pode ser restaurada (reformada) com a ajuda de Deus, de acordo com o que a Carta aos Romanos 12:2. “E não vos conformeis com os esquemas deste mundo, mas transformai-vos pela renovação da vossa mente, para que possa discernir qual é a vontade de Deus” (Jung, 1986:37).

A imagem divina não é uma invenção qualquer, mas uma experiência que ocorre espontaneamente no “eu”, por isso, a imagem de Deus (de início inconsciente) tem condições de modificar o estado de consciência introduzindo as correções na imagem (consciente) de Deus (Jung, 1986:185).

Jung (1986) relembra que não é difícil o “eu” ter uma percepção inicial de Deus compreendendo os enunciados universais acerca de Deus que está em nós e acima de nós, de Cristo e do seu corpo místico e, da alma suprapessoal. A questão é tão óbvia que o intelecto humano se apodera com facilidade dessa compreensão do “eu” a respeito de Deus e disto nasce a ilusão de que assim tomamos posse do objeto. Quando compreendemos intelectualmente caímos na ilusão que estamos vivenciando Deus, mas na realidade nada se conseguiu, a não ser um saber intelectual a respeito do Si-Mesmo. Desde épocas antigas as pessoas confundem o saber com a vivência em Deus, a idéia concebida com o próprio objeto, bastando saber, ou pronunciar o nome para tornar presente o objeto. Na realidade, a razão teve razões de sobra para reconhecer, ao longo dos séculos, a futilidade dessa opinião; mas isto não impediu que, ainda em nossos dias, o mero domínio intelectual seja considerado como absolutamente válido.

A psicologia experimental nos mostra claramente que o ato de conceber, mediante o intelecto, um fato psicológico produz apenas um conceito e o conceito não passa de um nome, de um mero sopro da voz, não tendo substância inerente. São sonoras, mas não encerram valor algum sem nenhuma realidade. O intelecto é de incontestável utilidade, mas, além disto, é também um grande embusteiro e ilusionista, sempre que tenta manusear valores. (30)

Devemos saber que apenas quando somos afetados por Deus é que inicia o processo de conscientização, alcança então Ele alcança a consciência. Somente quando o “eu” é afetado é que fica envolvido e sente a nova realidade. O ser afetado é uma nova realidade que provoca modificações nos pensamentos e ações. Para melhor entendimento podemos dizer que existe uma grande diferença em saber a descrição de uma enfermidade e estar enfermo, vivenciando a enfermidade. Uma percepção meramente intelectual pouco significa, pois o que se conhece são palavras e não a substância a partir de dentro. O “eu” tem que ser afetado pelo processo, é inerente a todo processo psíquico a qualidade de valor, isto é, a tonalidade afetiva (Jung, 1986:31).

Da mesma maneira que temos que ser afetado pelo Si-Mesmo somente podemos ter uma idéia satisfatória da sombra, do animus e anima a partir de uma experiência viva. Somente podem ser elucidadas à base da experiência (Jung,1986: 31).

6 Simbologia

O ato do “eu” ser afetado pelo Si-Mesmo provoca uma relação intrínseca com a consciência que materializa em símbolos ou mitos a relação de afetividade. Da mesma maneira que o vinho novo não deve ser colocado em odres velhos, da mesma forma que a serpente troca de pele, assim também o mito e símbolos precisam de nova roupagem em cada éon, para não perder a sua força terapêutica (Jung, 1986: 171). A tendência moderna à destruição e perda de consciência de toda tradição simbólica e dos mitos interrompe o processo normal de evolução durante vários séculos, e constituir um intervalo de barbárie. O desenraizamente e a ruptura com a tradição mística neurotizam as massas e as preparam para a histeria coletiva sendo necessário a terapia coletiva, que consiste na privação da liberdade e na implantação do terror. Por isso, onde impera o materialismo racionalista predominam as prisões e asilos de loucos (Jung, 1986:171).

O monte sempre significou ascensão, e particularmente ascensão mística (espiritual) até o cume, isto é, até a proximidade do Espírito e ao lugar da Revelação (Jung, 1986:194). O peixe simboliza o “eu” que surge das profundezas do inconsciente, o filho de Deus (Jung, 1986:173)

A serpente e o dragão correspondem ao “eu” totalmente inconsciente e incapaz de atingir o Si-Mesmo vivendo nas emanações do inconsciente pessoal e coletivo, não tendo sabedoria própria. Não possuem um conhecimento considerado como sendo de caráter sobrenatural. Sua falta de relação, sua frieza e periculosidade expressam o mundo dos instintos causando um efeito terrível tal como acontece com a súbita aparição de uma serpente venenosa. A serpente é o símbolo mais freqüente do mundo obscuro dos impulsos (Jung, 1986: 223).


7 Objetivos do Ser Humano

O “eu” deve buscar conhecer apenas o Si-Mesmo como se não tivesse outra coisa a fazer, deixando Deus realizar nele o que lhe aprouver. Que o homem seja apenas o que era quando veio de Deus. Neste uno devemos mergulhar por toda a eternidade, do nada para o nada. Assim Deus nos ajude. Amem (Jung, 1986:184).

Do centro do homem completo flui o Oceano (no qual Deus se encontra). Deus é a verdadeira porta pela qual o homem completo deve passar, a fim de renascer (Jung, 1986:202). O morto ressuscitará, ao atravessar a porta dos céus (Jung, 1986:205).

Sempre que um “eu” se conhece, sabe que seu movimento natural não se processa em linha reta, pois sofreu um desvio; mas sabe que descreve um movimento circular em torno de seu princípio interior, em torno de um centro que é o Si-Mesmo (Deus). O “eu” movimenta-se em torno de seu centro, isto é, em torno do princípio de onde ela procede. O “eu” se mantém preso a Ele, movimenta-se em direção a Ele, como deveriam fazer todos os “eus”. Mas só os “eus” dos deuses se movimentam em direção a Ele, e por isso são deuses, pois tudo o que se acha unido a esse centro é, em verdade, deus, ao passo que o que se acha afastado dele é o homem, o homem sem unidade, o homem animal (Jung, 1986:209).

Observa Jung (1986) que é muito árduo descobrir o “eu” e difícil entendê-lo, e que também é difícil chegar ao conhecimento do homem “completo”, mas, o começo da perfeição é o conhecimento do “eu”, ao passo que o conhecimento de Deus é a perfeição acabada. A maior de todas as doutrinas consiste em conhecer-se a si mesmo. De fato, quando o homem se conhecer a si mesmo, conhecerá também a Deus. Procure-o dentro de ti mesmo e aprende quem é Aquele que diz: “Meu Deus, meu Deus, meu entendimento, minha alma, meu corpo.” O portal, a passagem para Deus é dentro de ti mesmo (Jung, 1986:212).

REFERÊNCIA

JUNG, Carl Gustav. Aion estudos sobre o simbolismo do si-mesmo. Petrópolis: Vozes, 1986.



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