sexta-feira, 20 de agosto de 2010

A Teoria Psicanalítica de Carl Gustav Jung

Marcos Spagnuolo Souza

1 Biografia

Carl Gustav Jung nasceu no dia 26 de julho de 1875. Ao longo de sua vida Jung experimentou sonhos periódicos e visões com notáveis características mitológicas e religiosas, os quais despertaram o interesse por mitos, sonhos e a psicologia da religião. Ao lado destas experiências, certos fenômenos parapsicológicos emergiam, sempre para lhe redobrar o espanto e o questionamento.

Por muitos anos Jung sentiu possuir duas personalidades separadas: um ego público, exterior, que era envolvido com o mundo familiar, e um eu interno, secreto, que tinha uma proximidade especial para com Deus. Ele reconhecia ter herdado isso de sua mãe, que tinha a notável capacidade de "ver homens e coisas tais como são".

Ao longo da sua juventude interessou-se por filosofia e por literatura. Quando estudava medicina dedica-se a psiquiatria. Em 1900 tornou-se interno na Clínica Psiquiátrica Burgholzli, em Zurique.

Jung viu em Freud um companheiro para desbravar os caminhos da mente. Enviou-lhe copias de seus trabalhos sobre a existência do inconsciente, confirmando concepções freudianas de recalque e repressão. Ambos encantaram-se um com o outro, principalmente porque os dois desenvolviam trabalhos inéditos em medicina e psiquiatria.

Porém, tamanha identidade de pensamentos e amizade não conseguia esconder algumas diferenças fundamentais. Jung jamais conseguiu aceitar a insistência de Freud de que as causas dos conflitos psíquicos sempre envolveriam algum trauma de natureza sexual, e Freud não admitia o interesse de Jung pelos fenômenos espirituais como fontes válidas de estudo em si. O rompimento entre eles foi inevitável.

As autoridades nazistas na Alemanha determinaram que todas as obras de Jung fosse interditada e queimada.

Carl Gustav Jung morreu no dia 6 de junho de 1961, aos 86 anos, em sua casa, nas margens do lago de Zurique, após uma longa vida produtiva, que marcou a Antropologia, Sociologia e a Psicologia.

2 O Sonho

Jung sonhou com uma casa, que ele sabia ser sua casa,embora fosse diferente da sua moradia real. Segundo sua interpretação posterior, a casa era um símbolo dele mesmo, com seus diferentes níveis de consciência. No andar mais alto havia uma sala bem mobiliada com móveis de estilo rococó. Para Jung, isso era uma representação de seu nível consciente. Descendo as escadas, viu outro andar, na penumbra, com móveis mais antigos em um andar representando a época medieval o que ele interpretou como sendo o começo de seu inconsciente. Descendo outro lance de escadas, encontrou um porão, com paredes características da época romana, que ele considerou um nível ainda mais profundo do inconsciente. No piso empoeirado, viu um alçapão que o conduziu a uma gruta, onde encontrou ossadas, vasos de cerâmica e vestígios de uma civilização primitiva. Ali, Jung finalmente descobriu dois crânios, meio desintegrados, que fariam parte do último extrato de consciência, representando camadas muito antigas. Depois disso, acordou.

Quando contou o sonho da casa a Freud, este o interpretou segundo suas teorias, focalizando nos crânios, que, para o velho mestre, poderiam significar desejos secretos de morte. Jung discordou. Ele estava mais interessado no conjunto integral das imagens do sonho. E, a partir dele, concluiu que o inconsciente seria mais que um depositário de desejos reprimidos expressos em sonhos, como acreditava Freud. Embora não negasse a existência do inconsciente individual, Jung acreditava em um inconsciente maior, mais profundo, não pessoal, comum a todos os homens e culturas (era o que sugeriam os vários andares, com representações de várias fases históricas da cultura ocidental). A isso ele chamou de inconsciente coletivo.

Segundo Jung, esse inconsciente se exprime por meio de símbolos, que vêm à tona em sonhos, mitos e expressões artísticas. Todos os seres humanos, de qualquer povo, diz ele, compartilham os mesmos símbolos, mas em cada cultura eles têm roupagens próprias. A essas fôrmas comuns ele deu o nome de arquétipos.

3 Cobaia de Si Mesmo

Assim, para ter acesso total ao resultado da aplicação de suas teorias, decidiu experimentá-las em si mesmo. Foi o que fez. Durante cinco anos, enquanto levava sua vida normal como pai de família e diretor do Hospital Psiquiátrico de Bugholzli, em Zurique, anotou seus sonhos e insights. E em 1913 resolveu mergulhar no próprio inconsciente, uma viagem que ele realizou como se entrasse em um sonho, quase hipnoticamente. É bom dizer que o médico sempre teve esse tipo de visões, mas dessa vez, em vez de afugentá-las, partiu em sua direção.

"Foi no ano de 1913 que decidi tentar o passo decisivo - no dia 12 de dezembro. Sentado em meu escritório, considerei mais uma vez os temores que sentia e depois me abandonei à queda. O solo pareceu ceder sob meus pés e fui como que precipitado numa profundidade obscura. Não pude evitar um sentimento de pânico, mas, de repente, sem que ainda tivesse atingido uma grande profundidade, encontrei-me, com grande alívio - de pé, numa massa mole e viscosa. A escuridão era quase total", descreveu. No local em que estava Jung teve inúmeras visões, que posteriormente ele interpretou como arquétipos. O importante é que, no fundo desse local escuro, ele viu o brilho intenso de um sol vermelho nascendo. Para ele, significava que no inconsciente mais profundo havia algo muito bom, uma salvação. E Jung dedicaria sua vida para procurá-la.

4 Teorização

Jung concordava que, quando um paciente entendia racionalmente o motivo pelo qual um símbolo aparecia em seus sonhos esse símbolo perdia seu poder perturbador. Se um paciente, por exemplo, tivesse um sonho recorrente com uma bruxa que o perseguia, Jung começaria perguntando se a emoção provocada pela bruxa lembrava algum episódio da vida real (por exemplo, um repreensão severa sofrida na escola). Depois, paciente e psicólogo investigariam esse incidente, tentando entender por que o episódio perturbava (digamos que, na lembrança do paciente, a professora fosse muito cruel ou brava). Pronto. Jung acreditava que, revelado à luz da razão, o símbolo perdia seu poder. Se aquele episódio fosse de fato à causa da imagem da bruxa, ela em breve desapareceria dos sonhos.

Para Freud, a força por trás dos sonhos eram sempre desejos reprimidos, principalmente sexuais. Para Jung, não. Ele acreditava que os símbolos podiam expressar um desejo interno de compreensão - isto é, apareciam em sonho justamente para serem entendidos.

Jung dizia que, se não fossem manifestados conscientemente, poderiam lançar "sombras" em outras pessoas ou situações. Ainda no exemplo da bruxa, essa imagem poderia dificultar, inconscientemente, o relacionamento do paciente com mulheres mais velhas (mãe, chefes), que poderiam ser consideradas ameaçadoras. Ou seja, essas projeções turvavam a visão da realidade. Com o tempo, o indivíduo poderia desenvolver uma neurose, isto é, um desvio do entendimento do que é real. A neurose acreditava Jung, tinha uma vantagem: ela pressionava para que o problema fosse resolvido.

Segundo Jung o inconsciente enviava símbolos à tona para que a mente consciente fosse, aos poucos, compreendendo e integrando todo seu conteúdo submerso. Era uma atividade natural da psique, pensava Jung. Era assim que a personalidade total do indivíduo se desenvolvia e amadurecia: integrando os símbolos do inconsciente na consciência.

Com esse aumento de compreensão, automaticamente a consciência se ampliava. Esse processo ele chamou de individuação, que era acelerado pela análise dos sonhos e dos símbolos neles contidos. No processo de ampliação da consciência do eu, que é o desvelamento do inconsciente pessoal e coletivo torna-se possível iniciar o processo de conscientização do Si-Mesmo que é uma unidade psíquica maior e mais importante que o “eu”.

Imagine um galpão infinito às escuras, à exceção de um círculo iluminado por uma única lâmpada que é o “eu”. Segundo Jung, o Si-Mesmo é o galpão, o único que sabe tudo o que existe lá dentro. No galpão está o “eu” com a sua estrutura composta pelo somático e psique. O objetivo da estrutura do “eu” é desvelar o Si-Mesmo. A partir do momento em que o “eu” inicia o processo de conscientização do Si-Mesmo passa a sentir paz, tranquilidade e totalidade integrando-se com o Universo visível e invisível.

Referências

AKOUN, André. Carl Gustav Jung. Em: Psicologia Moderna, Vol. 4: Os 10 Grandes do Inconscientes. Lisboa/S. Paulo: Verbo, 1979.

CABRAL, Álvaro; OLIVEIRA, Eduardo Pinto de. Uma Breve História da Psicologia. Rio de Janeiro: Zahar, 1972.

DURANT, Will. A História da Filosofia. (Os Pensadores). Rio de Janeiro: Nova Cultural, 1996.

EVANS, Richard Isadore. Construtores da Psicologia. (Entrevista com C. G. Jung, pp. 326-338). São Paulo: Summus: Ed. Da Universidade de São Paulo, 1979.

GAY, Peter. Freud: Uma Vida Para o Nosso Tempo. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.

JUNG, Carl Gustav. O Homem e seus Símbolos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1977.

SILVEIRA, Nise da. Jung: Vida e Obra. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.



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