quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Possessões e Renascimentos

Marcos Spagnuolo Souza
Esse artigo é o resumo do capítulo denominado “Sobre o Renascimento” do livro “Os Arquétipos e o Inconsciente Coletivo” de JUNG, Carl Gustav.
A psique está em constante movimento de potência para ato, em transformação ininterrupta passando pela metempsicose, reencarnação, renascimento e finalmente ressurreição. Depois da ressurreição inicia uma evolução que não é humana e sim angélica.
A metempsicose: trata-se da idéia de uma vida que se estende no tempo, passando por vários corpos, inclusive dos vegetais, animais e humano.
Reencarnação: contém o conceito de continuidade pessoal em vários corpos humanos. Neste caso, a personalidade humana é considerada suscetível de continuidade e memória; ao reencarnar ou renascer temos, por assim dizer potencialmente, a condição de lembrar-nos de novo das vidas anteriores, que nos pertenceram. Na reencarnação trata-se em geral de um renascimento em corpos humanos.
Renascimento: renascimento durante a vida individual. Renovação ou aperfeiçoamento sem modificações do corpo físico, personalidade renovada. Estados de doença corporal também podem ser curados através de cerimônias de renascimento.
Ressurreição: ressurgir da existência humana. Este processo não é compreendido no sentido material grosseiro, mas se considera o ressurgir do corpo glorificado, no estado de incorruptibilidade. Mudança de essência, que podemos chamar de transmutação. Trata-se da transformação do ser mortal em um ser imortal, do ser corporal no ser espiritual, do ser humano num ser divino. Um exemplo muito conhecido é o da transfiguração miraculosa de Cristo, ou a subida ao céu da Mãe de Deus com seu corpo, após a morte.
A negação categórica das possibilidades de desenvolvimento acarreta a perda da alma. A alma se foi, tal como um cachorro que foge à noite de seu dono. A tarefa do xamã é então capturar a fugitiva e trazê-la de volta. Muitas vezes a perda ocorre subitamente e se manifesta através de um mal estar geral. Com a perda da alma não se tem mais nenhum desejo ou coragem de enfrentar as tarefas do dia. A pessoa se sente como chumbo porque nenhuma parte do corpo parece disposta a mover-se, e isso é devido ao fato de não haver mais qualquer energia disponível. Estado de desânimo e paralisação da vontade pode aumentar a ponto de a personalidade desmoronar. Surgem campos corporais anestesiados ou amnésia sistemática. Esta última é um fenômeno histérico de perda. Diminui a autoconfiança e a iniciativa. Surge um egocentrismo crescente. Desenvolvimento de uma personalidade essencialmente negativa, que representa uma falsificação em relação à personalidade originária. A perda da alma gera as possessões que podem ser possessão pela “persona”, possessão pelo inconsciente pessoal, possessão pelo inconsciente coletivo, possessão por figuras ancestrais e possessão pela alma grupal.
Possessão: A possessão pela “persona” significa que a psique foi possuída pela cultura dominante, reflete especificamente o meio em que está vivendo. A possessão pelo inconsciente pessoal é quando a psique reflete o lado obscuro da cultura, ou seja, a anticultura. A possessão provocada pelo inconsciente coletivo gera a possessão pela anima ou pelo animus provocando transformações da personalidade, evidenciando os traços do sexo oposto: no homem, manifesta o feminino e, na mulher, o masculino. Anima provoca ação externa com os seguintes aspectos: volúvel, desmedida, caprichosa, descontrolada, emocional, às vezes demoniacamente intuitiva, indelicada, perversa, mentirosa, bruxa e mística. O animus, pelo contrário, é rígido, cheio de princípios, legalistas, dogmático, reformador do mundo, teórico, emaranhando-se em argumentos, polêmico, despótico. A “anima” e o “animus” são cercados de indivíduos medíocres e se prestam a pensamentos medíocres. Os conteúdos das possessões aparecem como convicções singulares, planos obstinados. Não existe linha divisória absoluta entre possessão e paranóia.
Possessões por figuras ancestrais: desencadeada por algo que poderíamos designar mais adequadamente por “alma ancestral” e precisamente como uma determinada alma ancestral. São casos de identificação visível com a persona de pessoas falecidas. Essas possessões nas idades primitivas eram amplamente difundidas.
Possessões pelas almas da natureza: a psique é possuída pela alma da terra, da água, do ar, do fogo, dos vegetais e dos animais.
Possessão pela alma grupal: trata mais exatamente da identificação de um indivíduo com certo grupo humano. Uma vivência grupal ocorre em um nível inferior de consciência. É um fato que, quando muitas pessoas se reúnem para partilhar de uma emoção comum, emerge uma alma conjunta que fica abaixo do nível de consciência de cada um. Quando um grupo é muito grande cria-se um tipo de alma animal coletiva. Envolto na identificação com o grupo não se sente nenhuma responsabilidade, mas também nenhum medo. A pessoa depende continuamente da embriaguez da massa a fim de consolidar a vivência e poder acreditar nela. Cada um sente-se arrastado pela onda coletiva de identificação com os outros. Pode até mesmo ser uma sensação agradável, uma ovelha entre dez mil ovelhas. Quando não está mais na multidão, a pessoa torna-se outro ser, incapaz de reproduzir o estado anterior. Volta a ter o seu nome civil, morando em determinada rua e tendo uma profissão, os problemas pessoais retornam. Diante da vida cotidiana busca novamente penetrar na alma grupal visando sentir novamente uno com o povo, sendo bem melhor do que ser apenas o cidadão x ou y.
Quando não existe afastamento ou fuga da alma ocorrem às mudanças necessárias que denominamos metempsicose, reencarnação, renascimento e ressurreição provocando modificações na psique do indivíduo que reflete diretamente no corpo humano. Lidamos aqui com uma realidade puramente psíquica, que só nos é transmitida indiretamente.  A psique é a realidade mais prodigiosa do mundo humano. Ela é a mãe de todos os fatos humanos, da cultura e da guerra assassina. Tudo isso é primeiramente psíquico e invisível, mas real. As mudanças podem ser as seguintes: mediada pelo rito sagrado; identificação com herói do culto, transformação mágica, transformações baseadas em símbolos místicos, transformação através de ações meditativas, ampliação de consciência e transformações naturais.
Modificação mediada pelo rito sagrado: participação em um rito sagrado que lhe revela a perpetuidade da vida através de transformações e renovações. O participante do rito é influenciado, impressionado ou consagrado por sua simples presença ou participação, a psique modifica por vivenciar a influência recebida.
Modificação mediada com a identificação do neófito com o herói do culto: para a vivência da transformação também é importante a identificação do neófito com o deus ou herói demonstrado no ritual sagrado. A identificação do neófito com o sagrado possibilita transformações psíquicas importantes.
Modificação mediada pelas transformações mágicas: o ritual é intencionalmente usado para produzir uma transformação. Por exemplo: um homem está doente e deve ser “renovado”. A renovação ocorre quando ele é puxado através de um buraco feito na parede na cabeceira de seu leito e quando sai do outro lado do buraco é psicologicamente afetado ocasionando a cura da doença. Ou então recebe outro nome e com este uma nova alma. Desse modo os demônios não o reconhecem mais; ou ainda passar por uma morte figurada, ou então é puxado grotescamente através de uma vaca de couro que o devora pela boca e o expele por trás. Ou ainda, passa por uma ablução ou banho batismal, transformando-se em um ser mais ou menos divino, com um novo caráter e um destino metafísico transformado. Ou se alimenta de uma refeição dita sagrada provocando transformações psicológicas que afetam a estrutura física.
Modificações mediadas por transformações através dos símbolos: 1) a gruta é o lugar do renascimento, aquele espaço oco secreto em que se é encerrado, a fim de ser incubado e renovado. A gruta que cada um tem dentro de si, ou na escuridão que fica por detrás da sua consciência, é envolvido num processo de transformação, a princípio inconsciente. Através dessa entrada no inconsciente ocorre uma conexão da consciência com os conteúdos inconscientes fazendo surgir grandes modificações no sentido positivo ou negativo. 2) Chadir: o novo ser representante do si-mesmo. Nasceu nas trevas de uma gruta. Uma consciência mais elevada. A consciência do eu reage à orientação superior do destino do si-mesmo. Chadir não representa apenas a sabedoria superior, mas também a um modo de agir correspondente a ela, o qual ultrapassa a razão humana. Chadir, o ser imortal. Podemos encontrar o Chadir na rua, sob a forma de um homem ou que ele pode aparecer durante a noite como uma pura luz branca. Durante o sono como sendo uma luz clara. O Chadir pode aparecer como um conselheiro, amigo, consolador e também como mestre de sabedoria revelada. Chadir é o anjo de Deus, Anjo de Face, um mensageiro. 3) Pão e Vinho: (disse Jesus que seu sangue é o vinho e seu corpo o pão) significa provavelmente apenas algo a ser assimilado, quando ocorre a comunhão no catolicismo o fiel psicologicamente assimila ou aceita Jesus. 4)Peixe: influência nutritiva dos conteúdos do si-mesmo, os quais mantêm a vitalidade da consciência através de um influxo energético contínuo, uma vez que a consciência não produz sua própria energia. 
Modificações mediadas pelas ações meditativas: pertencem a este contexto os exercícios meditativos, entrar no vazio ou comunhão com esferas ou seres mais elevados.
Modificação mediada pela ampliação da consciência: assim, pois, se formos tocados por uma grande idéia de fora, devemos compreender que ela só nos toca devido a existência em nosso interior que lhe corresponde e vai ao seu encontro. Apropriamos verdadeiramente de tudo o que vem de fora para dentro, se formos capazes de uma amplitude interna correspondente à grandeza do conteúdo que vem de fora. Sem ampliação das fontes internas jamais será possível captar algo superior a nossa vivência. O ser humano possui dentro de si a capacidade de crescer. O botão se abre em flor e do menor surge o maior, “um torna-se dois”. O maior, que permanecia invisível, comparece diante do homem que fomos até então. O menor vê nascer diante si o amigo pelo qual tanto ansiava. O Cristo é o símbolo supremo do imortal que está oculto no homem mortal. Cristo é o outro que nasceu do menor. O filho de Deus nasce do filho do homem.
Modificações naturais: A própria natureza exige morte e renascimento. Há processos naturais de transformação que nos ocorrem, quer queiramos ou não, saibamos ou não. Trata-se de um processo demorado de transformação interna e do renascimento em outro ser. Este outro ser é o outro em nós, a personalidade futura mais ampla, com a qual já travamos conhecimento como um amigo interno da alma.
Devemos esclarecer que a psique é o ovário que possibilita o nascimento ou florescimento do si-mesmo, ou seja, da alma imortal que viajará em direção a infinitude da existência.

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