segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Personificações do Arquétipo Ingênuo

Marcos Spagnuolo Souza
A estrutura somática de cada ser humano é a manifestação ou reflexos da estrutura psíquica que possui a seguinte cartografia: persona; inconsciente pessoal; inconsciente coletivo e o si-mesmo que é o nosso verdadeiro ser em estado de potência. O inconsciente coletivo tem um efeito direto sobre o consciente, quer a consciência o compreenda ou não. O inconsciente coletivo é formado pelos seguintes arquétipos: os leviatãs; anima; animus; velho ancião; símbolos de transformações arcaicas e finalmente o arquétipo da ingenuidade. O nosso objetivo no momento é estudarmos o arquétipo ingênuo.
O arquétipo ingênuo é uma estrutura arquetípica antiguíssima, sendo o reflexo fiel de uma consciência humana indiferenciada em todos os aspectos, correspondente a uma psique que, por assim dizer, ainda não deixou o nível animal. Consciência primitiva ou bárbara tendo uma auto-imagem em um nível anterior de desenvolvimento. Personalidade de caráter pueril, inferior e totalmente infantil. Festas como o carnaval e outras semelhantes são reflexos ou descendentes da figura numinosa do arquétipo ingênuo.
 Os traços do arquétipo ingênuo possuem relação com certas figuras folclóricas conhecidas nos contos de fada: Dunga, o João Bobo e o Palhaço. O arquétipo ingênuo se manifesta em fenômeno conhecido como poltergeist, que sempre sucederam em todo tempo e lugar.
As travessuras engraçadas ou maliciosas deste arquétipo ingênuo são tão conhecidas quanto seu baixo nível de inteligência, isto é, a tolice notória de suas "comunicações". Diante de suas brincadeiras ele pode inclusive se transforma em animais, afetando diretamente a consciência das pessoas. 
Embora o arquétipo ingênuo não seja propriamente mau, comete, devido à sua inconsciência e falta de relacionamento, as maiores atrocidades. Seu cativeiro na inconsciência animal é sugerido por sua prisão no crânio de um alce.  
Atualmente reconhecemos que as celebrações das “Saturnalia” que eram as festas celebradas no ano novo são manifestações do arquétipo ingênuo. A “Saturnalia” na Antigüidade tratava-se das danças inofensivas dos sacerdotes, do clero inferior, das crianças e subdiáconos na Igreja. Nessa ocasião era escolhido um bispo das crianças, paramentado com vestes pontificais. Este fazia uma visita oficial ao palácio do arcebispo, acompanhado de uma grande balbúrdia, e de uma das janelas do palácio distribuía sua bênção episcopal. No fim do século XII, a “Saturnalia” já havia degenerado numa verdadeira festa de loucos. No ano de 1198, em Notre Dame (Paris), ocorreu excesso, atos infames, palavras sujas, como também pelo derramamento de sangue que o papa Inocêncio III manifestou-se, mas inutilmente, contra as brincadeiras escarnecedoras das loucuras dos clérigos. Trezentos anos mais tarde ( 12 de março de 1444) uma carta da Faculdade Teológica de Paris, endereçada a todos os bispos franceses, clama contra essa festa, em que "os próprios sacerdotes e clérigos escolhiam um arcebispo, ou bispo, ou papa, designando-o como o papa dos loucos.. No meio da missa, pessoas fantasiadas com máscaras grotescas ou de mulher, de leões ou de atores apresentavam suas danças, cantavam no coro canções indecentes, comiam comidas gordurosas num canto do altar, ao lado do celebrante da missa, jogavam os seus jogos preferidos. Incensavam com fumaça fedorenta, queimando o couro dos sapatos velhos e corriam e saltitavam por toda a Igreja.
O arquétipo ingênuo continua a ser uma fonte de divertimento que se prolonga através das civilizações, sendo reconhecível nas figuras carnavalescas de um polichinelo e de um palhaço.
Os arquétipos que estão no inconsciente coletivo e entre eles o arquétipo ingênuo costumam perder sua energia progressivamente, a não ser que receba energia de fora.
Podemos pensar que quando os aspectos obscuros desaparecem é porque não existem mais, mas, na realidade perderam energia em decorrência que as consciências se libertaram do fascínio do inconsciente coletivo, não o vivendo compulsivamente. Salientamos que os arquétipos não se desfazem em fumaça, mas recolhem-se no inconsciente devido à perda de energia, mas espera por uma oportunidade favorável para reaparecer com toda sua intensidade.
O arquétipo ingênuo se manifesta também em um nível de consciência dependente onde responsabilizamos a sociedade ou o outro por nossa própria ineficiência, devido à puerilidade que nos absorve. O nível de consciência que se coloca dependente do outro é fortemente influenciada pelo arquétipo ingênuo.
Somente quando atingimos um nível de consciência superior é possível destacar o estágio anterior como algo diverso de si mesmo e objetivá-lo, isto é, dizer algo a seu respeito, reconhecendo como sendo inferior. Enquanto a nossa consciência está no estágio inferior não é possível reconhecer o estágio de consciência ingênua.
A superação da consciência em relação ao arquétipo ingênuo é representada pela cabeça do falcão, ou por um falcão que voa nas alturas.
Referência
JUNG, Carl Gustav. Os arquétipos e o inconsciente coletivo. Petrópolis: Editora Vozes, 2002.


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